REDECA – Uma experiência de Trabalho em Rede

por | out 25, 2018 | Artigos, Diagnóstico Social

O REDECA foi um das mais importantes iniciativas de trabalho em rede e do uso de tecnologia da informação para atender a área Social, mais especificamente para o atendimento de crianças e adolescentes.

O projeto foi patrocinado pela Fundação Telefônica e implementado de forma colaborativa por 8 municípios paulistas: Araçatuba, Bebedouro, Diadema, Guarujá, Itapecerica da Serra, Mogi das Cruzes, São Carlos e Várzea Paulista. O nome REDECA é uma referencia ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e tinha como objetivo principal fortalecer o SGDCA – Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e Adolescente.

Esta iniciativa envolveu durante dois anos a articulação, desenvolvimento de um sistema e ações de capacitação que alcançaram mais de 400 organizações governamentais e não-governamentais desses e outros municípios.

Em 2010 a Fundação Telefônica credenciou o REDECA como software livre e aberto, no Portal do Software Público Brasileiro para que ele evoluísse pelas mãos dos próprios municípios e da própria comunidade de usuários.

Eu não participei da equipe original do projeto, mas conheci pessoas que contaram um pouco desta história, como Antonio Luiz de Paula e Silva e com a Giany Póvoa, com quem tenho atualmente a oportunidade de trabalhar em projetos de diagnóstico social. Tive o prazer de ter boas conversas sobre as estratégias e desafios do sistema com a própria Talita Montiel, que foi coordenadora do projeto pela Fundação Telefônica.

Uma das melhores experiências que tive com o REDECA foi quando, estávamos nos preparando para trazer o sistema para Birigui-SP, e tive a oportunidade de participar de uma reunião em São Carlos-SP chamada Rede das Redes, composta por técnicos dos municípios envolvidos que discutiam os avanços e os problemas da implantação do REDECA em cada cidade. Realmente este foi uma oportunidade riquíssima de ver uma rede intermunicipal trabalhando por um mesmo propósito.

Além disso, a partir de 2010 a Orion começou apoiar a implantação do REDECA em Birigui-SP, primeiramente no Instituto Pró-Criança e depois em mais 8 organizações sociais, algumas ainda em operação.

Uma pergunta que podemos fazer neste momento sobre o REDECA: “Por que um projeto com este propósito, com pessoas tão qualificadas envolvidas e com recursos disponíveis (pelo menos inicialmente) não conseguiu evoluir e praticamente morreu?”

Uma das respostas rápidas seria: faltou dinheiro. Realmente a Fundação Telefônica mudou o foco de atuação e resolveu investir em outras áreas, retirando o apoio financeiro ao projeto.

Quero enfatizar que o objetivo deste artigo não é responder, mas convidar aos que participam da causa das crianças e adolescentes para uma reflexão a respeito da jornada do REDECA.

Não quero deixar a impressão que o REDECA era um sistema perfeito, aliás pela minha experiência com desenvolvimento de sistemas tenho clareza de que não existe sistema perfeito, mas sistema em evolução. Considero um software é algo “vivo” e que precisa continuamente evoluir e ser nutrido pelas pessoas que o utilizam, assim como uma organização ou empresa. Só para exemplificar, um dos pontos falhos do REDECA, na minha opinião, foi a falta de relatórios e indicadores, pois a versão original permitia apenas a exportação de dados em formato de planilha.

De qualquer forma, a equipe que concebeu o REDECA conseguiu estruturar uma excelente e rica base de dados com informações socio-economicas das famílias, dos atendimentos que foram realizados à estas famílias e, principalmente, conseguiram organizar estas informações para serem compartilhadas ao SGDCA.

Justamente a maior virtude do REDECA pode ser uma das dificuldades da implantação deste tipo de sistema, pois o resultado só acontece se as informações forem compartilhadas em rede. Presenciei alguns problemas com relação a isto, por exemplo: organizações que queriam manter todos os seus dados privados por receio de quebrar o sigilo das informações ou técnicos que não queriam compartilhar os casos com outro técnico, mesmo sendo da mesma especialidade, pois temiam compartilhar o diagnóstico com pessoas ou organizações que poderiam ter uma opinião diferente.

Por estes relatos e pela nossa experiência com implantação do REDECA entendemos que é fundamental que a rede humana pactue continuamente novos combinados com base nos aprendizados e nas experiências práticas de uso do sistema. Em resumo, a “rede tecnológica só funciona se a rede humana” estiver previamente articulada, sempre ativa e aberta para compartilhar e aprender.

Outro aprendizado com esta experiência é que no início de implantação de qualquer iniciativa em rede a generosidade e a gratidão das pessoas são valores essenciais.

Generosidade para oferecer suas informações sem saber quando receberá o resultado da rede, pelo menos no curto prazo. Gratidão por perceber que “a inteligência social” proporcionada por um sistema em rede só ocorre quando outros disponibilizaram dados para você receber informações consolidadas de forma gratuita: seja ela o histórico de um determinado caso já atendido pela rede ou um mapa dos problemas que ocorrem em determinada região da cidade.

Tenho certeza que estes sentimentos moveram os pioneiros da equipe que concebeu o REDECA.

Esta experiência nos mostra também que o funcionamento de um sistema em rede, com várias organizações e instâncias de governo, é algo complexo, muito diferente da implantação de um sistema em uma única organização, se ela privada ou pública, pois envolve diversos atores com realidades diferentes e que precisam pactuar objetivos comuns.

Algo muito vivo e dinâmico, onde uma simples mudança na composição do CMDCA, por exemplo, pode fortalecer ou desarticular uma iniciativa deste tipo, caso a rede não esteja atenta.

Um outra pergunta que poderíamos incluir nesta reflexão seria comparar a experiência do REDECA com a jornada do SIPIA, utilizado pelos conselhos tutelares nos municípios. Temos alguns relatos de municípios que visitamos recentemente e que jamais utilizaram ou que pararam de utilizar o SIPIA, mas acredito já ser tema para um novo artigo.

Gostaria muito de ouvir quem teve também experiência com a implantação de sistemas que atendem crianças e adolescentes e sobre os desafios de compartilhar informações e aprender em rede. Por favor, deixe seu comentário para enriquecer esta reflexão!

Até uma próxima oportunidade.

Ricardo Azevedo